O Ministério Público Federal precisa intervir nas resoluções do Conselho Federal de Contabilidade
Por Salézio Dagostim
A Contabilidade, em âmbito mundial, divide-se em dois blocos com diferentes princípios e interesses: Um bloco — representado pela Alemanha, França, Itália, Espanha, Japão, Europa Oriental e todos os países da América Latina — defende que a Contabilidade deve proteger os credores, os concedentes de créditos e a sociedade; e que, por isso, a lei deve detalhar com rigidez as regras a serem cumpridas pelos profissionais da Contabilidade na elaboração das demonstrações contábeis. Outro bloco — representado pelos EUA, pelos países do Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia — defende que a Contabilidade deve proteger os investidores, e que essas regras devem ser flexíveis, sem forte intervenção do Estado, para incentivar o ingresso de capitais.
O Brasil, atualmente, adota uma legislação rígida na elaboração das demonstrações contábeis. É por isso que, aqui, o Código Civil e a legislação tributária e societária regulam essa matéria. Tudo isso para que os profissionais da Contabilidade tenham segurança na elaboração das demonstrações contábeis, e que os contadores saibam como essas demonstrações foram elaboradas, a fim de terem mais consistência em suas análises, conclusões e recomendações. E, também, para proteger a sociedade contra os desvios e falcatruas, protegendo, assim, o emprego e a renda, pois é a Contabilidade que viabiliza a apuração de “lucros” ou “prejuízos”, e é através do lucro ou prejuízo que os investidores ficam mais ricos ou mais pobres.
Entretanto, os membros do Conselho Federal de Contabilidade (CFC) vêm, há muitos anos, defendendo a idéia de que a Contabilidade brasileira deve proteger os “investidores” e não mais a sociedade, filiando-se assim ao grupo ao qual os EUA e a Inglaterra estão vinculados. O CFC argumenta que a mudança de foco da Contabilidade no Brasil é possível, pois a Lei 12.249, de 11/06/2010, conversão da Medida Provisória nº 472, lhe deu competência para editar normas brasileiras de Contabilidade de natureza técnica e profissional, e, em função disso, as “resoluções” — mesmo contrariando a lei — possuem valor legal, e devem ser cumpridas pelos profissionais. Antes, dizia-se que as leis que conferiram liberdade para alterar os objetivos da Contabilidade no Brasil eram as leis 11.638/07 e 11.941/09.
O CFC apelidou a idéia de mudança de foco da Contabilidade de “Contabilidade Internacional”. Porém, é importante registrar que o Brasil não firmou qualquer tratado internacional que resultasse de uma convergência das vontades dos países em uniformizar procedimentos de registros e informações das demonstrações contábeis.
As resoluções aprovadas pelo Conselho Federal de Contabilidade estão deixando os profissionais de Contabilidade confusos por não saberem mais se seguem a lei ou as resoluções. Vejamos: a Lei nº 11.638, de 2007, arts. 1º e 3º, que alterou a Lei 6.404/76, determinou a obrigatoriedade da divulgação da Demonstração dos Fluxos de Caixa para as sociedades anônimas de capital aberto; para as sociedades anônimas de capital fechado com patrimônio líquido, na data do balanço, superior a R$ 2 milhões de reais; e, para todas as pessoas jurídicas, quando no exercício social anterior possuírem um ativo total superior a R$ 240 milhões de reais ou uma receita bruta anual superior a R$ 300 milhões de reais.
O Conselho Federal de Contabilidade, através da Resolução CFC nº 1.255, de 10.12.2009, está obrigando todas as pessoas jurídicas, mesmo as pequenas e médias empresas, a divulgarem essa demonstração.
Além disso, a Lei 6.404/76, art. 179, inciso I, diz que o Ativo Circulante deve ser classificado em Disponibilidades, Direitos Realizáveis no curso do exercício social subsequente e as aplicações de recursos em Despesas do Exercício Seguinte. Por sua vez, a Resolução CFC nº 686, diz que o Ativo Circulante deve ser dividido em Disponível, Créditos, Estoques, Despesas Antecipadas e outros valores e bens, e não conforme determina a Lei.
Já o § 2º do art. 178 da Lei 6.404/76 diz que o Patrimônio Líquido faz parte do Passivo. O CFC, através da Resolução nº 774/94, ratificada pela Resolução nº 1.049/05, diz que “não”, que o Passivo consiste somente nas obrigações que a pessoa jurídica possui para com terceiros; que as obrigações que a pessoa jurídica possui para com seus donos, referente ao capital de risco, não são obrigações, e que por isso não são Passivo.
A Lei diz que para um “débito” ser classificado como “Ativo”, este precisa ter “liquidez” (art. 178, § 1º da Lei 6.404/76). Já a Resolução 1.049/05 diz que “Ativo” compreende qualquer aplicação de recursos controlados pela pessoa jurídica, capaz de gerar benefícios econômicos futuros. Pela definição adotada pelo CFC, a pessoa jurídica não precisaria ter a propriedade do bem para ativá-lo, o que é inaceitável, uma vez que algo para ser Ativo tem que ter liquidez.
A Resolução 1.141/08 diz que o Leasing Financeiro deve ser contabilizado no Ativo, mesmo que a empresa ainda não tenha adquirido o bem arrendado. Por sua vez, a Lei 6.099/74 estabelece que as contraprestações do Contrato de Leasing devem ser contabilizadas como “custo” ou “despesa”, e que a incorporação no Ativo só ocorrerá no momento em que o arrendatário optar pela compra do bem, pagando o valor residual contratado.
Segundo o § 1º do art. 57 da Lei nº 4.506/64, o valor da depreciação computada como “custo” ou “despesa” deve ser calculado tendo por base o custo de aquisição do bem depreciável. O Conselho Federal de Contabilidade alega que os contadores podem depreciar leasing financeiro, mesmo que o bem ainda não tenha sido adquirido.
Portanto, são muitas as resoluções em que o CFC altera a lei, pedindo que os contadores a descumpram. O que é mais grave ainda é que a própria Resolução do CFC estabelece que aquele que descumprir a Resolução estará infringindo o Código de Ética Contábil.
Sendo assim, a intervenção do Ministério Público Federal nesta questão se faz necessária para que o judiciário decida se o CFC possui competência para modificar as leis e editar resoluções criando obrigações profissionais.
Solicitar a intervenção do Ministério Público Federal nesta causa não é mera necessidade de garantia profissional, mas é, sobretudo, uma questão de ordem jurídica. As informações contábeis precisam estar protegidas por leis, pois é através delas que os capitais circulam, que os negócios se realizam, que os investidores ficam mais ricos ou mais pobres, pelo simples fato de a Contabilidade ter a capacidade de modificar os resultados econômicos. É, também, ela que protege as pessoas jurídicas como fonte geradora de emprego e renda. Por isso, a Contabilidade não pode ser usada como instrumento de especulação, mas, sim, como um instrumento de interesse da sociedade.
Salézio Dagostim é contador; pesquisador contábil; professor universitário; autor de livros técnicos de contabilidade; fundador e ex-presidente do Sindicato dos Contadores do Estado do Rio Grande do Sul; sócio do escritório contábil estabelecido em Porto Alegre (RS), Dagostim Contadores Associados, à rua Dr. Barros Cassal, 33, 11º andar - salezio@dagostim.com.br
* A mim, causa, no mínimo, estranheza que o CFC tenha aderido à "onda de convergência internacional dos ditames contábeis". O IASB, na minha opinião, é um órgão que nada entende de contabilidade, cuja única finalidade é oferecer meios "técnicos" que possam deixar lacunas para camuflagem e distorção da informações contábeis. Não precisa ser muito inteligente para perceber isso. O que se pretende com isso é encher os olhos dos investidores, mesmo às custas de informações falsas, danosas e dolosas.Vide diversos casos de escândalos financeiros pelo mundo afora. Não sei precisar pois não tive nem tenho acesso ao caso do banco PANAMERICANO. Ao comentar com alguns o novo escândalo financeiro e justamente aqui, no Brasil, alguns disseram que não foi culpa da lei 11.638/07 e sim falta de auditoria. Ora, ora, é bem provável que os audiotres digam que basearam suas verificações sob à ótica da nova lei 11.638/07 que permite justamente a contabilização de ativos irreais, podres, fictícios. E quem então poderia dizer que não foi verdade? A " verdade" da Lei.
Muito me preocupa e entristece ver muitos colegas seguindo a onda de que a contabilidade mudou...
O IASB e suas normas a quem quer nos empurrar a todo custo o CFC, não é unânime nem mesmo em seu continente, o Europeu! Enquanto a bomba financeira estourava em 2008 nos USA, havia um pequeno , mas forte grupo fazendo pressão para aprovação da lei que introduzia as normas "internacionais" no Brasil. Por quê será? Com qual intuito? A lei aprovada é restrita às SA de capital aberto e às limitadas de grande porte ( que faturam acima de R$300.000.000,00). Como bem lembrava meu saudoso amigo e mestre Lopes de Sá, atingia, portanto, menos que 02% das empresas sediadas no Brasil, ou seja, a tragédia seria menor.Mas, o CFC resolveu impor aos contadores, através de normas ( diga-se de passagem infralegais) a todos os profissionais da contabilidade.
Quem ganha com isso?
a) mercado especulativo ( instituições financeiras)
b) empresas de auditoria e reavaliação de ativos.
Aliás, as empresas de auditoria e de reavaliação de ativos não estão ganhando rios de dinheiros e sim, oceanos.
Preocupação com a ciência contábil? Zero! Joga-se no lixo milênios de fundamentos e passa-se por cima de todo ordenamento jurídico e tributário instituído em nosso país no que tange à matéria objeto desse artigo.
Aqui no ES, acho que sou pássaro que voa só. Mas me junto a quem mais for preciso, pra estancar esse crime que pretendem à nossa classe, à nossa ciência.
Estudo e disciplina fazem muita diferença. Não nos deixemos enganar!
Mobilização já!!!
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